Juliana Aschar

"Em tempos de pandemia nossa preocupação precisa se voltar, em especial, para a liderança ética. Discursos vazios já não atendem nossas expectativas como cidadãos...", cita Juliana Aschar - Advogada, Consultora e Professora em GRC no Artigo VIAETICA - Liderança ética, governança e compliance em tempos de pandemia.


Em tempos de pandemia nossa preocupação precisa se voltar, em especial, para a liderança ética. Discursos vazios já não atendem nossas expectativas como cidadãos. Os espetáculos noticiados na mídia se apresentam como verdadeiros shows de horrores e vaidades, além da demonstração inequívoca que no jogo de poder impera o famoso “vale tudo”.

Infelizmente, ainda existe uma parte da população brasileira que busca heróis e não líderes. De acordo com o professor Bernardo Monteiro de Castro, em sua obra Liderança Ética e Resiliência[i], “tradicionalmente, a história dos recursos humanos no nosso país sofre a principal influência do EUA, por bem ou por mal. No país norte-americano, sempre envolto em guerras e na necessária criação de inimigos imaginários, a figura do herói é corriqueira, esse termo é usado de modo abrangente, atribuídos às mais diferentes pessoas que se sobressaem um pouco, reforçando a necessidade de ser famoso, de criar modelos e de servir à pátria. Não à toa é o berço dos super-heróis. E, lá, o líder incorpora o arquétipo do herói. Para muitos, isso não é apenas bom, é ótimo”.

Contudo, para os novos modelos de instituições que nossa sociedade reclama esse perfil de alguém superior, forte, montado a cavalo, inquestionável, onisciente e invencível é muito ruim. Ainda segundo o professor, “o exercício da liderança ética, seja nas corporações mais complexas, seja em comunidades menores ou grupos informais, leva ao cuidado maior pelo bem-estar, ao combate ao poder sádico, à minimização dos comportamentos de assédio, ao crescimento da confiança, à maior integração das equipes e de seus membros, a uma expectativa mais segura de justiça e ao fortalecimento da cultura do ganha-ganha”.

Não precisamos da criação de mais tragédias, de rompimento com as leis, de inimigos imaginários, de fantasias e de delírios paranóides. Precisamos de líderes éticos, dispostos a encarar as dificuldades com resiliência e seriedade.

Segundo Alencastro (2016)[ii], “a arte da liderança implica honrar as pessoas e, por conseguinte, ser justo nas decisões, respeitando-as e contribuindo com a edificação de futuros líderes. Honrar a organização, pautando-se em referenciais sólidos sem se desviar do caminho. Inspirar as pessoas a demonstrar no cotidiano, em todas as ações, uma atitude ética. Enfim, minimizar o discurso vazio e se preocupar com a efetividade dos valores”.

Os países exitosos no combate à pandemia valeram-se exatamente dos ingredientes acima citados, mas, em especial, são governados por líderes éticos (as). Da Nova Zelândia à Alemanha, Taiwan ou Noruega, as lideranças estão sendo elogiadas na mídia e nas redes sociais por suas atitudes, bem como pelas medidas que introduziram em face da atual crise global de saúde. Um artigo recente da colunista Avivah Wittenberg-Cox na revista Forbes[iii]considerou suas líderes "exemplos de verdadeira liderança", que utilizam uma forma alternativa de exercer o poder. Pautam-se pela verdade, clareza, transparência, decisividade, tecnologia e amor. Sim, amor. Ao se referir a Primeira Ministra da Noruega, Erna Solberg, a autora escreve: “é como se seus braços estivessem saindo dos pronunciamentos para abraçá-lo de forma amorosa e sincera. Quem diria que os líderes poderiam passar esse sentimento?”

É certo que ninguém sozinho conseguirá resolver essa teia complexa de problemas e dificuldades, “os tempos trazem mudanças significativas e as organizações vencedoras são aquelas que se antecipam a essas mudanças e se transformam com elas. E para que isso ocorra, são imprescindíveis líderes que saibam administrar com disciplina e flexibilidade as melhorias constantes, que demonstrem coragem em suas ações. Mas, sobretudo, necessita-se de líderes que saibam gerir pessoas, que sejam capazes de sensibilizá-las e orientá-las por meio de uma sólida base ética e moral. Afinal, é isso que elas valorizam”[iv].

De outro lado, ao enfrentarmos o maior desafio do nosso século: uma pandemia sem precedentes que evidencia nossa baixa maturidade social, política, econômica, e talvez a mais importante – ética e moral, utilizarmos dos preceitos estruturantes dos sistemas governança e de compliance/integridade pode ser uma das alternativas coerentes e necessárias. 

Obviamente, não podemos nos enganar e acreditar que isoladamente todos os problemas que destacamos estariam resolvidos com a efetiva instituição de robustos sistemas de governança e de compliance/integridade nas organizações públicas e privadas. Contudo, ainda que esse sistema sozinho não resolva o todo, a transformação organizacional pautada na coerência com a integridade, conformidade, responsabilidade, respeito, efetividade, equidade, senso de justiça e transparência, possibilitam avanços importantes para as organizações e para a sociedade em geral.

Diversos exemplos noticiados na mídia demonstram atitudes “não compliance”, seja por parte das organizações públicas, seja das organizações privadas. Para citar alguns: fraudes em licitações para aquisição de equipamentos médicos, como respiradores; aumentos de preços ou preços exorbitantes, especialmente para equipamentos de proteção, para máscaras e gel hidroalcóolico; contratação e entrega de mercadorias de qualidade inferior ao acordado; construção de hospitais de campanha sem o devido planejamento...

Certamente, todos eles não existiriam se os princípios estruturantes de um sistema de governança e de compliance/integridade estivessem institucionalizados e fossem seguidos por todos os atores envolvidos.

Além disso, necessário citar as fraudes praticadas por diversos cidadãos residentes e não residentes no país, ao solicitarem auxílio emergencial e não preencherem os requisitos previstos em lei. Infelizmente, uma constatação de ausência de ética, integridade e responsabilidade coletiva.

Termino essa breve reflexão destacando que, apesar dessa faceta desprezível do “não compliance”, diversas organizações se destacaram por uma liderança ética impecável e demonstraram a efetividade de suas ações de governança e compliance. E certamente, serão lembradas pelos consumidores ao adquirem seus bens e contratarem seus serviços, pelos futuros funcionários no ato de escolha onde querem trabalhar no futuro e pela sociedade em geral como ato público de reconhecimento de organização preocupada com o bem estar social.

Juliana Aschar.
Advogada, consultora e professora nas áreas de Governança, Riscos, Integridade e Compliance.


Referências:

[i]De Castro, Bernardo Monteiro. Liderança Ética e Resiliência. Curitiba: CRV, 2019.

[ii] Alencastro, Mário Sergio Cunha. Ética empresarial na prática: liderança, gestão e responsabilidade corporativa. 2ª ed. Curitiba: InterSaberes, 2016.

[iii] Disponível em: <https://forbes.com.br/colunas/2020/04/mulheres-na-lideranca-sao-o-diferencial-dos-paises-com-as-melhores-respostas-ao-coronavirus/>

[iv]Nizo Di, Renata. Reinventando a liderança: por uma ética de valores. São Paulo: Summus Editorial, 2013.

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