Renato Rodrigues

"Ao se falar em compliance no setor de saúde, é importante considerar que o setor possui especificidades que vão exigir uma visão mais ampla dos processos, suas interconexões, impactos internos e externos e os resultados esperados na saúde e no sistema que o cerca..." trecho citado no Artigo VIAETICA Gestão de Compliance: Reflexões para o setor de Sáude, escrito por Renato Rodrigues da Silva, MSc, MBA, CEC Analista Sênior de Governança, Riscos e Compliance Unimed-BH.


O mundo está em constante transformação, mas, recentemente, nos deparamos com uma situação que pareceu tornar tudo mais rápido e instável: a pandemia pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). A doença que teve início na China, no mês de dezembro de 2019, se espalhou pelo mundo e em pouco mais de cinco meses infectou mais de seis milhões de pessoas, provocando a morte quase 400 mil.

Os dados epidemiológicos são assustadores, piores ainda são as previsões feitas para diversos países, em especial, o Brasil. Por aqui, é consenso quando os cientistas dizem que o pior está por vir. O cenário colocado é complexo, mas deixando de lado as notícias da pandemia, encontramos uma sociedade que enfrenta vários dilemas neste momento: manter o distanciamento social ou flexibilizar; reabrir apenas as atividades essenciais ou permitir que toda a economia volte a funcionar; adotar o home office como opção principal de trabalho ou apenas para uso temporário. Essas são algumas questões que estão sendo colocadas, a todo tempo, para que as pessoas reflitam.

Não podemos esquecer que o mundo já vinha experimentando dos conceitos abordados no acróstico “VUCA”, em que as iniciais significam, respectivamente, já traduzidas: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Se trabalhar e fazer planos nesse contexto do mundo VUCA já era bem desafiador, imagina a partir de agora? Com certeza, tudo se tornará ainda mais complexo, a começar das difíceis decisões que a sociedade precisa tomar de agora em diante. Já se ouve dizer que precisamos nos preparar para o “novo normal”. Fica a pergunta de como será que as organizações estão se preparando para essa nova realidade.

Todo esse pano de fundo serve para começarmos a pensar no assunto desse artigo que é a Gestão de Crises e o Compliance, sob a ótica do setor de saúde.

Do ponto de vista conceitual, a saúde é entendida, pela Organização Mundial da Saúde, como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de afecções e enfermidades[1]. Para muitos, a saúde se resume na ausência de doença, mas não é isso que globalmente é esperado para a humanidade. Na Constituição de 1988, em seu art. 196, encontramos uma importante prerrogativa para a saúde que é: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Essas duas definições são úteis para nos mostrar o que é a saúde, sua abrangência e a distância que estamos de se efetivar o conceito. Para continuar nossa reflexão, precisamos entender a enigmática rede a atores que estão inseridos na cadeia produtiva da saúde. Citarei alguns, mas sem a intenção de esgotar a enumeração: usuários do sistema de saúde, serviços de saúde (clínicas, hospitais, farmácias, academias etc.), operadoras de saúde, secretarias e ministérios da saúde, empresas fabricantes de insumos para a saúde, empresa que fornecem o benefício do plano de saúde, conselhos de saúde, sindicatos etc. Esses agentes possuem papéis diversos dentro do sistema de saúde, seja ele público ou privado.

Ao se falar em compliance no setor de saúde, é importante considerar que o setor possui especificidades que vão exigir uma visão mais ampla dos processos, suas interconexões, impactos internos e externos e os resultados esperados na saúde e no sistema que o cerca. Manter a conformidade na saúde vai além de cumprir uma norma da Vigilância Sanitária, por exemplo, e requer provocar nas pessoas que “produzem a saúde”, diariamente, a reflexão sobre o que de melhor deve ser feito para o paciente que, normalmente, está em situação frágil. O “fazer o melhor” para o paciente exige pensar no usuário do sistema, mas também nos pares, na organização e no todo, ou seja, exige uma ação no nível micro e uma atenção no macro. Essa construção, todavia, não é simples e querer intensa mudança de cultura. Será que os Programas de Compliance colocam o paciente e seu bem-estar no centro das ações, processos e decisões? Caminhamos para um cuidado cada vez mais centrado no paciente e isso exige uma mudança de mentalidade, e por consequente, ajustes em processos para garantir que essa centralidade seja percebida e gere valor em saúde.

Na saúde trabalhamos diretamente com vidas, reconhecemos as falhas e as consequências que elas podem ter e é por isso que, em alguns momentos, precisamos gerenciar as crises que afetam esse complexo sistema. E, por falar em crise, não tenho dúvida que a pandemia instaurou (ou deveria) uma crise dentro das organizações. Mas, por que aconteceu ou deveria ter acontecido? Vamos primeiro ao conceito de crise. No ambiente organizacional, crise é “qualquer situação que ameace prejudicar as organizações e pessoas a elas relacionadas, interromper a continuidade de um negócio ou danificar a reputação, gerando prejuízos financeiros e ofuscando a imagem das empresas.”[2]

Não resta dúvida de que a pandemia provocou alterações no modus operandi de todas as organizações, seja de forma positiva ou negativa. Para se adequar às necessidades impostas pela crise, é preciso pensar em formas de se gerenciar o momento da melhor forma possível. Dentro de uma organização, surgem as perguntas: Como gerir a crise e se sair melhor dela? É possível? Por onde começar? Vamos então aos principais passos que devem ser observados:

1.      Definição de um comitê ou equipe, preferencialmente, com visão multidisciplinar, para avaliar os cenários, propor estratégias e articular a execução das ações.
2.      Definição de fluxo de comunicação, tempos de resposta e porta-vozes.
3.      Mapeamento das situações de crise que precisam considerar cada negócio e suas especificidades.
4.      Identificação das partes relacionadas (colaboradores, clientes, prestadores de serviços, fornecedores, bancos, acionistas, órgãos públicos etc.)
5.      Planejamento de um plano de resposta para a ocorrência das principais situações que podem impactar a imagem e a sustentabilidade da organização.

Em que pese serem importantes, esses passos representam o caminho que se deve adotar para a gestão das crises, mas é preciso posicionamento institucional para apoiar a decisões que precisam ser tomadas, algumas delas, difíceis. A comunicação, interna e externa, é um dos pontos chaves que podem levar a organização a ter uma boa ou péssima reputação perante seus públicos. Os colaboradores precisam estar bem informados do que está se passando e como a empresa está respondendo às situações, pois esse público, além de sensível, pode fortalecer a imagem da organização externamente.

A gestão de crises na área de saúde, não apenas neste momento, precisa levar em conta diversas questões como: aumento da demanda, contaminação dos profissionais com o novo vírus, inadimplência, falta de insumos, demora no atendimento, falhas graves, greves, envolvimento de profissionais com atos ilícitos, interrupções no funcionamento de sistemas críticos etc. Caso essas situações aconteçam, o risco de falha no cumprimento da missão da organização se torna relevante e requer um estruturado processo de gerenciamento de crises. Por isso, é fundamental ter um processo organizado de gerenciamento das situações adversas.

E o compliance, onde entra nisso tudo? Em momentos de crise, várias decisões são tomadas pelas organizações e parte delas tendem a fugir dos fluxos normais de avaliação e aprovação, pois a urgência de mitigar determinados riscos pode acabar por provocar outros. Os Programas de Compliance precisam prever mecanismos para reduzir os riscos, até mesmo em cenários desfavoráveis. Não dá para esperar a ocorrência de um incidente para se pensar em forma de atenuar os riscos com a implantação de controles. Na prática, quanto melhor estruturado o Programa, melhor será a resposta às situações de crise e maior a contribuição para a sustentabilidade sob os aspectos sociais, ambientais e econômicos.

Por fim, esse cenário de muitas incertezas impõe grandes desafios às organizações e para continuarmos gerando valor à saúde precisamos de fortalecer a cultura de integridade de conformidade. A melhoria contínua, foco do cliente e a sustentabilidade devem ser a diretrizes que todos precisamos seguir. O que temos como certo é que nada tende a ser como antes, portanto, o que nos trouxe até aqui não nos levará ao futuro que queremos.

É preciso agir e inovar sempre, e isso se aplica aos nossos Programas de Compliance e processos de gerenciamento de crise.Tudo deve ser abordado sistematicamente, afinal, esse é o grande desafio.

Renato Rodrigues da Silva
Analista Sênior de Governança, Riscos e Compliance - Unimed-BH
Mestre em Gestão de Serviços de Saúde - UFMG
Certificado Profissional em Compliance - Instituto ARC
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