Jefferrson Carvalho

"A lei que autoriza a concessão de benefícios fiscais deveria também condicioná-los à existência de Programas de Integridade", cita Jefferson Carvalho, diretor da Certificadora RINA e Vice-presidente da ABRAC no Artigo VIAETICA - Benefícios Fiscais - A importância dos Programas de Integridade e da Certificação ISO 37001, escrito em coautoria Claudio Carneiro Ph.D, advogado tributarista.


“A punição que os bons sofrem, quando se recusam a agir, é viver sob o governo dos maus”. (Platão)

 A adoção de benefícios fiscais, envolvendo renúncias de tributos e subsídios, é uma prática que sempre preocupou a sociedade, em especial, no que tange à transparência na sua concessão e efetividade nas contrapartidas sociais (geração de empregos, desenvolvimento econômico e social, aprimoramento tecnológico etc.). A matéria mostra-se tão relevante que o artigo 14 da Lei Complementar 101 de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) [1]traz restrições à renúncia de receita. Da mesma forma, a Constituição de República de 1988 também faz menção à existência de Convênio CONFAZ para a concessão de benefícios de ICMS no âmbito dos estados. Isso porque, as normas tributárias indutoras podem representar um incentivo para o desenvolvimento econômico, mas se usado de forma inadequada por ser identificado como um gap para a prática de atos lesivos à Administração Pública, conforme dispõe a Lei Federal No. 12.846/2013.

Muito se tem falado da importância de Programas de Integridade nas contratações públicas (normalmente baseados nos critérios do Decreto Federal No. 8.420/2013[2], que regulamenta a Lei Federal No. 12.846/2013), no entanto, os efeitos danosos de benefícios fiscais indevidos representam desidratação da capacidade de atendimento às políticas públicas, podendo se estender por décadas.

Nesse contexto, a lei que autoriza a concessão de benefícios fiscais deveria tambémcondicioná-los à existência de Programas de Integridade. Em um primeiro momento, das empresas beneficiadas, e logo a seguir, do próprio poder público, iniciando pelos órgãos que realizam a análise de viabilidade dos benefícios.

Para entendermos o potencial do desastre, na hipótese de eventual corrupção, em 2019, os benefícios fiscais no Brasil representaram 5,1% do PIB, numa cifra de R$ 376 bilhões (R$ 307 bilhões em renúncia de tributos e R$ 69 bilhões em subsídios), e considerando os últimos dez anos (2010 a 2019), temos cerca de R$ 3,1 trilhões[3]. Como se não bastasse, o orçamento de 2020 prevê um aumento de 18 bilhões (4,7%), chegando ao volume de 394 bilhões (R$ 330 bilhões em renúncias de tributos e R$ 64 bilhões em benefícios)[1].

O cenário da concessão de benefícios fiscais apresenta-se desalinhado com outros indicadores econômicos, dando um aspecto de alienação social. Para se ter uma ideia, em 2019 comparado a 2018, os benefícios fiscais no país cresceram 8,1%, muito superior ao 1,1% de crescimento do PIB[2] e 1,69% de crescimento real da arrecadação federal[3].

Segundo publicação do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o Tribunal de Contas da União (TCU) estima que 44% das renúncias previstas para 2018 não contam com qualquer fiscalização, enquanto 85% não têm prazo de validade para acabar[4]. Segundo reportagem, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo vem exigindo a divulgação dos beneficiados e o valor que cada empresa deixou de pagar em impostos desde o governo anterior (em 2018 foram R$ 20,45 bilhões, chegando perto do que foi gasto em saúde no estado naquele ano)[5].

Quando o esforço é notadamente focado em se aumentar a perda fiscal, surge um paradoxo, urgindo à sociedade e órgãos de controle, observar com atenção a possibilidade de eventuais conflitos de interesse e corrupção motivando tais iniciativas.

Resta observar, entretanto, que a simples obrigação de exigir Programas de Integridade das organizações beneficiadas não encerra o problema relacionado aos riscos de corrupção na concessão dos benefícios ou ainda, a fiscalização das contrapartidas esperadas no tempo.É necessário que se assegure que este Programa de Integridade seja efetivo, ou seja, composto de todos os pilares, implementando políticas e controles, mas principalmente, que funcione, que seja capaz de identificar e controlar os principais riscos. Delegar esta atividade ao poder público incorre em potenciais fragilidades, como a falta de competência (hoje, há legislações estaduais que exigem programas de integridade em compras públicas que delegam o controle ao gestor ou fiscal do contrato) até a falta de recursos para a fiscalização, o que poderia gerar a falta de uma resposta segura sobre a validade em se requerer tais Programas de Integridade, gerando a percepção equivocada que tais Programas são instrumentos ineficazes.

Hoje é possível requerer certificações acreditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), por meio da CGCRE Coordenação Geral de Acreditação, baseadas na norma técnica internacional ISO 37001 Sistema de Gestão Antissuborno[1]. As certificações são realizadas por meio de auditorias anuais executadas por Organismos de Certificação independentes e devidamente avaliados periodicamente pelo INMETRO quanto à competência e confiança[2]. A certificação ISO 37001 permite demostrar que os elementos principais de um Programa de Integridade estão implementados e são efetivos.

Uma proposta razoável seria requerer que a empresa que pleiteia benefício fiscal envolvendo montantes relevantes, apresente um certificado ISO 37001 acreditado INMETRO em até doze meses da assinatura do termo, e anualmente, dando a confiança de que um sistema de gestão é mantido efetivo.

Quanto à aplicação da ISO 37001, iniciativas práticas já podem ser observadas, como a certificação ISO 37001 da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN), primeira empresa da administração pública do Rio de Janeiro, e provavelmente do Brasil, a obter tal certificação[3]. A CODIN, particularmente, entre outras atribuições, realiza a avaliação para obtenção de incentivos tributários e financeiros para implantação ou expansão dos empreendimentos no Estado. Do ponto de vista regulatório, o Projeto de Lei Federal No. 418/2020 [4], que trata sobre Programa de integridade para as pessoas jurídicas que contratarem com a Administração Pública, e traz a obrigação da certificação ISO 37001.

A adoção da obrigação de Programas de Integridade e respetiva certificação do Sistema de Gestão Antissuborno conforme ISO 37001 com acreditação INMETRO permite conferir mais confiança a todos os atores, incluindo governo, privado, poder público e sociedade. É necessário inovar, reconhecendo a máxima de que é impossível obter resultados novos com os mesmos métodos.



Saiba mais:

Artigo: Normas de Compliance e Antissuborno – Um desafio Necessário. Disponível em https://www.linkedin.com/pulse/normas-de-compliance-e-antissuborno-um-desafio-jefferson-carvalho/

Referências

 [1] Vice-presidente da ABRAC Associação Brasileira de Avaliação da Conformidade; Diretor da Certificadora RINA; Liderança de auditorias em 18 países, incluindo as primeiras certificações ISO 37001; Vice-presidente de Compliance da RBCIH Rede Brasil de Cidades Inteligentes e Humanas; Professor convidado em pós-graduações de compliance na FGV, IBMEC, UFSCAR e PUC; LinkedIn: www.linkedin.com/in/jeffersoncsilva. Instagram: www.instagram.com/jeffcarvalhooficial.

[2] Advogado. Pós Doutor em Direito pela Universidade Nova de Lisboa. Presidente da Comissão de Compliance e Governança do Instituto dos Advogados Brasileiro. Vice-presidente da Ethical & Compliance International Institute com sede em Portugal. Presidente da Comissão de Direito à Educação da OAB/RJ; Membro do Fórum Permanente de Direito Tributário da EMERJ. Membro da Comissão de Transparência Pública da OAB/RJ. Professor da FGV, IBMEC. UNIFG e UAL. LinkedIin: https://www.linkedin.com/in/claudiocarneiroadvogado/ . Instagram: https://www.instagram.com/claudiocarneirooficial/

[3] Presidência da República. Lei Complementar No. 101 -
Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm#:~:text=LEI%20COMPLEMENTAR%20N%C2%BA%20101%2C%20DE%204%20DE%20MAIO%20DE%202000&text=Estabelece%20normas%20de%20finan%C3%A7as%20p%C3%BAblicas,fiscal%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.. Publicado em 04/05/2000. Pesquisa em 03/06/2020.

[4] Presidência da República. Decreto No. 8.420/2015 - Regulamenta a Lei nº 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8420.htm. Publicado em 18/03/2020. Pesquisa em 03/06/2020.

[5] Portal G1. Governo estima conceder R$ 376 bi em incentivos fiscais em 2019. Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/09/20/governo-estima-conceder-r-376-bi-em-incentivos-fiscais-em-2019.ghtml. Alexandre Martello. Brasília. Publicado em 20/09/2018. Atualizado em 2019. Pesquisa em 03/06/2020.

[6] Agência Brasil. Orçamento de 2020 prevê alta de R$ 24,2 bi em renúncias fiscais. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/orcamento-de-2020-preve-alta-de-r-242-bi-em-renuncias-fiscais. Wellton Maximo. Brasília. Publicado em 02/11/2029. Pesquisa em 03/06/2020.

[7] Folha de São Paulo. PIB do Brasil cresce 1,1% em 2019, diz IBGE; resultado é menos da metade do projetado no início do ano. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/pib-do-brasil-cresce-11-em-2019-diz-ibge.shtml#:~:text=%C3%89%20o%20terceiro%20ano%20seguido,reafirma%20retomada%20lenta%20ap%C3%B3s%20recess%C3%A3o&text=O%20PIB%20(Produto%20Interno%20Bruto,feira%20(4)%20pelo%20IBGE.. Eduardo Cucolo, Nicola Pamplona. Brasília. Publicado em 04/05/2020. Atualizado em 04/03/2020. Pesquisa em 03/06/2020.

[9] Poder 360. Governo federal arrecada R$ 1,57 trilhão em 2019, diz Receita Federal. Disponível em https://www.poder360.com.br/economia/governo-federal-arrecada-r-157-trilhao-em-2019-diz-receita-federal/. Hamilton Ferrari. Publicado em 23/01/2020. Atualizado em 23/01/2020. Pesquisa em 03/06/2020.

[9] IBPT Instituto Brasileiro de Planejamento em Tributação. Quanto custam os benefícios fiscais no Brasil?. Disponível em https://ibpt.com.br/noticia/2751/Quanto-custam-os-beneficios-fiscais-no-Brasil. Publicado em 21/02/2019. Pesquisa em 03/06/2020.

[10] RBA Rede Brasil Atual. Renúncia fiscal: Doria e Covas tiraram quase R$ 20 bilhões de São Paulo para beneficiar empresários. Disponível em https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2019/06/renuncia-fiscal-doria-covas/. Rodrigo Gomes. Publicado em 27/06/2019. Pesquisa em 03/06/2020.

[11] ISO International Organization for Standardization (Organização Internacional para Normatização).                            ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno – Requisitos com Orientações para Uso. Publicado em 2016. Tradução pela ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas em 06/03/2017. Consulta em 17/05/2020.

[11]  INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Acreditação. Disponível em http://www4.inmetr.gov.br/acreditacao/servicos/acreditacao, Publicado em 31/05/2019. Última modificação em 04/02/2020. Consulta em 03/06/2020.

[12] CODIN Rio. Codin recebe certificação Antissuborno (ISO 37.001). Disponível em https://www.codin.rj.gov.br/post/codin-recebe-certifica%C3%A7%C3%A3o-iso-antissuborno-37-001, Consulta em 03/06/2020.

[13] Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Federal No. 418/2020. Estabelece a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade para as pessoas jurídicas que contratarem com a Administração Pública. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2238059. Publicado em 27/02/2020. Consulta em 03/06/2020.

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