Mariana Pimentel

"Temos certeza que o mundo já está diferente e o esporte também! Precisamos agora que as entidades esportivas do nosso País comprometam-se, genuinamente, com a igualdade, a gestão ética e, assim como em outros setores, entendam que a criação ou o aprimoramento de Programas de Integridade nunca se fez tão necessário, conclui Mariana Pimentel - Advogada Desportiva e Sócia da Íntegra Cultura em Compliance, no Artigo VIAETICA - O papel dos patrocinadores na promoção de Integridade no Esporte.


O esporte há muito deixou de ser apenas entretenimento e ganhou status de setor da economia e que gera bilhões de reais todos os anos. A últimas estimativas apontam que, no Brasil, o setor esportivo girou quase cem bilhões de reais em 2018. 

Os eventos esportivos atraem milhões de espectadores, ávidos a torcer pela equipe do coração ou acompanhar atletas que ocupam posto de celebridade. Tudo isso faz do setor esportivo um mercado atraente para empresas patrocinadores e investidores.

Marcas pagam milhões para se tornarem patrocinadoras no esporte, afinal, ter seu nome estampado em camisas, arenas esportivas ou ser parceira em um grande evento traz retornos muito além do valor investido. Para as empresas, o patrocínio é muito mais que que ter sua logomarca associada a uma categoria esportiva, ou um atleta
campeão, é sobre ser percebido na sociedade com os valores mais caros do esporte.1

Entretanto, a última década foi marcada por escândalos de corrupção e más condutas no esporte. Os exemplos ao redor do mundo são inúmeros: escândalo de corrupção na FIFA, crimes de abuso sexual infantil, como o caso Penn State e da equipe nacional de ginástica dos Estados Unidos, até o mais notório dos casos de dopagem no esporte, o do ciclista sete vezes campeão do Tour de France, Lance Armstrong.

Por aqui a coisa não foi diferente, no ano passado vimos um dos grandes clubes do Brasil, o Cruzeiro Esporte Clube, parar nas primeiras páginas policiais sob acusações de irregularidades financeiras na sua última gestão.

Fato é que o esporte, principalmente com a cultura da vitória acima de tudo é um terreno fértil para práticas de corrupção. Acontece que o mundo está mudando e os stakeholders do esporte, principalmente os fãs, tem dado maior importância às boas práticas, sejam elas dentro ou fora de campo.

As entidades desportivas, que no passado próximo pareciam pouco importar com a urgência de medidas éticas na gestão do esporte, talvez resguardados pelo monopólio na administração ou, confortáveis com a devoção de fãs e torcedores, o que contribui para tirar o foco das falhas éticas da gestão do esporte2, foram obrigadas a adotar medidas de Compliance. Por pressão de patrocinadores, autoridades públicas ou até mesmo após a divulgação de um grande escândalo, fato é que os órgãos que gerenciam o esporte e organizam os grandes eventos esportivos, não conseguem mais funcionar sem uma gestão pautada em boas práticas.

As empresas patrocinadoras, exercem um papel fundamental quando se trata de uma mudança de cultura na gestão esportiva. A era soberana das organizações desportivas, quando não faltavam empresas interessadas em associar sua marca a grandes eventos, mesmo que sua gestão fosse contestada ou estivesse sob suspeita de desvios éticos como é o caso da Copa do Mundo, ou as Olimpíadas, está acabando.

Os últimos escândalos no esporte fizeram com que patrocinadores ficassem mais atentos à forma de gestão de equipes e entidades organizadoras.

Em 1998, após denúncias do suíço Mac Hodler, o Comitê Olímpico Internacional se viu envolvido em um escândalo de compra de votos para os jogos de inverno de 2002. Segundo apurado nas investigações, vários membros do COI aceitaram propinas que iam de terrenos, bolsas em universidades locais, tratamentos médicos até centenas de milhares de dólares em suborno como forma de garantir a vitória de Salt Lake City nos Estados Unidos como cidade sede da Olimpíadas de Inverno.

Esse escândalo abalou a reputação da entidade organizadora dos Jogos Olímpicos e fez com que vários patrocinadores rompessem a vinculação com o evento. Isso forçou uma tomada de decisão urgente da entidade. Membros foram afastados ou obrigados a renunciar e o Comitê mudou radicalmente sua política de candidatura olímpica, adotando medidas eficazes de Compliance.

Em 2015, em meio ao maior escândalo de corrupção da história do futebol, a FIFA enfrentou uma debandada no seu quadro de patrocinadores. Castrol, Continental Tyres e Johnson & Johnson empresas do segundo escalão de patrocínio, mas que contribuíam com uma significativa fatia em patrocínios encerrar suas parcerias. Ao mesmo tempo, Visa, Adidas e Sony, patrocinadoras master cobraram da entidade máxima do futebol um maior empenho nas investigações das denúncias e medidas efetivas contra culpados, além de uma mudança nas políticas anticorrupção3

Assim, em 2016 a FIFA, atingida com a prisão de dois dirigentes4, pressionada por movimentos como o New FIFA Now5 e buscando dar uma resposta aos seus patrocinadores, além dos demais stakeholders, promoveu um calendário de mudanças na sua estrutura de governança, apresentando, inclusive, a criação de um programa robusto de Compliance. 

A Copa do Mundo 2022, que acontecerá no Catar é outro exemplo de como as empresas precisam estar atentas ao comportamento das patrocinadas, e ao impacto que isso pode causar em suas reputações. Alvo de polêmicas desde sua escolha como sede em 2010, com acusações de venda de votos, o próximo torneio mundial de futebol já foi considerado por muitos críticos o maior erro da história da FIFA. Além disso, o país sede recebeu denúncias de violação a direitos humanos a trabalhadores que atuam na construção das instalações dos jogos6.

A FIFA, que vinha se mantendo indiferente a essas denúncias, passou a ser alvo de críticas de organismos mundiais e, as empresas patrocinadoras do torneio mundial, se viram questionadas pelo mercado, imprensa e por seus consumidores, o que trouxe um abalo significativo na reputação de suas marcas. 

Um movimento iniciado em 2015 por grandes designers mundiais, com objetivo de pressionar patrocinadores a se posicionarem sobre os abusos ocorridos no pequeno país do Golfo criou “antilogomarcas” e alterou campanhas de empresas como McDonalds, Coca-Cola, Adidas dentre outras, associando-as às péssimas condições de trabalho no país7. As companhias se viram obrigadas a cobrar soluções da FIFA.

As imagens rodaram o mundo e as companhias se viram obrigadas a cobrar publicamente soluções da FIFA, que por sua vez teve que sair imediatamente de sua inércia. Desde então, as condições de trabalho no Catar têm sido observadas à lupa e, as empresas se veem permanentemente pressionadas em caso de qualquer novo deslize nos bastidores da próxima Copa do Mundo.

A Nike, gigante no mercado de materiais esportivos sofreu um arranhão significativo em sua reputação, e uma queda considerável em seus resultados financeiros após se ver envolvida diretamente em escândalo de doping no atletismo.

Nike Oregon Project, que foi idealizado pelo ex-maratonista Alberto Salazar e financiado pela Nike nasceu com a promessa de devolver aos Estados Unidos os anos de glória nas maratonas. Vendendo a imagem do uso de tecnologias inovadoras, métodos de treinamento eficientes e modernos, o trabalho atraiu a atenção do mundo do atletismo, e tinha um apelo midiático incrível, o que resultou em retornos financeiros surpreendentes para a empresa esportiva com a linha especial que levava a marca do NOP.

Mais tarde o que se descobriu foi que o programa, sob o comando de Salazar, era na realidade, responsável por orquestrar e facilitar o uso indiscriminado de métodos de dopagem entre seus atletas e, que o CEO da Nike tinha conhecimento dessas ações. Isso fez com que a empresa encerrasse o até então bem sucedido e lucrativo programa, além da demissão do diretor executivo que mais lucros trouxe à companhia.

Mas não são apenas as entidades que administram o esporte que se veem pressionadas a adotarem posturas éticas pelas companhias investidoras. Os atletas, grandes ídolos e muitas vezes vistos como semideuses pelas conquistas dentro do campo, estão sendo exigidos a adotarem o fair play, tão caro ao esporte, também extra campo.

O exemplo mais recente, um dos maiores ídolos do futebol mundial da atualidade e um dos jogadores mais valiosos do mundo, o brasileiro Neymar Jr. se viu, no ano passado, envolvido em acusações de assédio e estupro, envolvimento com prostituição. As acusações juntamente com declarações controversas do jogador logo no início das polêmicas foram capazes de suspender alguns dos patrocínios do atleta.

Outras polemicas envolveram o nome do jogador, dentro e fora dos campos e, como resultado ele viu seu valor de mercado desvalorizar em mais de dez milhões de euros no começo deste ano8.

Talvez o caso mais emblemático seja do ciclista Lance Armstrong que confessou o uso de substâncias dopantes em todas as suas sete vitórias na volta mais famosa do mundo, Tour de France. A reação das marcas foi imediata: Armstrong perdeu todos os seus patrocinadores e mais de 75 milhões de dólares em contratos, isso em questão de dias.  

Como personalidades do esporte, não há mais uma separação entre a vida de atleta ou privada e isso exige das empresas associadas um cuidado especial na administração de notícias 

negativas sobre os esportistas que patrocinam, uma vez que os comportamentos antiéticos deles atingem diretamente a reputação das empresas.

No caso das equipes e clubes no mundo que enfrentaram escândalos de corrupção, os torcedores, as autoridades públicas, mas principalmente patrocinadores, que estão entre as três maiores fontes de renda das esquadras, exerceram papel fundamental em suas mudanças na cultura ética.

Foi o caso do futebol espanhol, que obrigou clubes a adotarem medidas efetivas de Compliance principalmente depois do escândalo que envolveu a transferência de Neymar para o Barcelona.

No Brasil, maior exportador de talentos e país reconhecido pela alegria de sua torcida, os clubes e federações são ineficientes no quesito boa gestão. Talvez pelo modelo de sucessão de dirigentes ainda adotado, pela falta de um conselho isento e profissional, pela falta de transparência na escolha dos comandantes, certo é que ainda estamos atrás de um modelo que há anos já funciona no resto do mundo.

Seja para beneficiar o clube na busca por títulos, seja para ganhos pessoais, a verdade é que, a grande maioria das equipes ainda se vale de práticas nada éticas. Os dirigentes nacionais ainda não entenderam a urgência de uma mudança nas suas culturas anticorrupção.

Talvez o exemplo de Platini, que antes tinha em seu currículo o posto de ídolo do futebol francês, presidente da UEFA ou o provável sucessor de Blatter hoje enfrenta um extenso processo criminal e vê sua reputação na história do esporte ser destruída.

As investigações iniciadas no Cruzeiro no ano passado nos mostram que, também por aqui não há mais espaço para gestões irresponsáveis.

Os patrocinadores brasileiros, assim como acontece ao redor do mundo, já perceberam os riscos de danos a imagem de suas companhias ao se associarem com clubes que tem risco de corrupção.

Como resultado elas tem buscado empresas de auditoria para avaliarem os riscos possíveis nas equipes que buscam por seus investimentos.

Ian Cook, diretor da empresa de auditorias Kroll, uma gigante no mercado, revelou recentemente que potenciais patrocinadores buscam “saber quais são os riscos, como são as estruturas dessas entidades esportivas”9.

Outro movimento das empresas, que tem demonstrado a urgência de práticas mais éticas e transparentes no setor é o Pacto pelo Esporte que tem a participação de atletas e das principais empresas patrocinadoras do País10.

O esporte brasileiro, que já estava atrasado na adesão ao Compliance, pode ser “engolido” no pós-pandemia. Acontece que a crise causada pelo Corona vírus jogou ainda mais luz nos problemas do esporte brasileiro, principalmente os resultantes das gestões irresponsáveis e pouco preocupadas com a ética. Clubes estão correndo o risco de serem pulverizados resultado de dívidas quase impagáveis e não têm muita opção de recursos.

E a falta de patrocínios pode ser um outro golpe nas instituições desportivas. Acontece que os impactos causados pelo vírus, assim como os últimos acontecimentos ao redor do globo, o assassinato de George Floyd, o aumento das queimadas na Amazônia, que inflamaram reações em todo mundo, estão fazendo com que as empresas perceberem de forma mais urgente que é necessário fazer um movimento para mudanças em suas ações e na forma de associar suas imagens. Não cabe mais espaço para que as empresas estejam envolvidas com grupos, associações desportivas que não estejam comprometidos com boas práticas e que entendam a relevância das ações sociais. 

O grande número de escândalos de corrupção entre os esportes não só macula a imagem da categoria, de clubes ou federações, mas compromete o que deveria ser seu o objetivo principal: ser um disseminador de valores do espírito esportivo, da integridade.

As empresas já entenderam que tem grande responsabilidade social de impor naqueles com os quais associam sua imagem uma postura comprometida com valores éticos e responsáveis. É nisso que os torcedores, principalmente os mais jovens também estão se engajando.

Temos certeza que o mundo já está diferente e o esporte também! Precisamos agora que as entidades esportivas do nosso País comprometam-se, genuinamente, com a igualdade, a gestão ética e, assim como em outros setores, entendam que a criação ou o aprimoramento de programas de integridade nunca se fez tão necessário.

Mariana Pimentel
Advogada Desportiva e Sócia da Íntegra Cultura em Compliance.
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Referências:

1 FULLER, Jaimie. Promoting Integrity in sport: a sponsor´s perspective. Disponível em: https://www.transparency.org/files/content/feature/6.5_PromotingIntegritySponsors_Fuller_GCRSport.pdf
2 Idem
3 Scandal-hit Fifa lose three more major sponsors. Disponível em: https://www.theguardian.com/football/2015/jan/23/fifa-lose-three-sponsors-castrol-continental-tyres-johnson-and-johnson
4 Há época as primeiras prisões, resultado dos escândalos de corrupção na FIFA, foram as de Juan Ángel Napout e o hondurenho Alfredo Hawit.
5 O movimento New FIFA Now é um movimento criado por grupos de stakeholders do futebol, com objetivo de pressionar a FIFA a fazer mudanças em seus sistemas. https://www.newfifanow.org/
6 Nesse sentido o relatório “The ugly side of the beautiful game”. Disponível em: https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/MDE2236812016ENGLISH.pdf
7 Nesse sentido:Marcas da Copa no Qatar são redesenhadas em protesto por trabalho 'escravo’. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/09/marcas-da-copa-no-qatar-sao-redesenhadas-em-protesto-por-trabalho-escravo.htm
8 Nesse sentido ver pesquisa da PWC sobre atletas mais valiosos do mundo em 2020.
9 Escândalos de corrupção levam patrocinadores a investigar os cartolas brasileiros. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Curiosidades/noticia/2018/01/epoca-negocios-escandalos-de-corrupcao-levam-patrocinadores-a-investigar-os-cartolas-brasileiros.html
10 Ver: www.pactopeloesporte.org.br

Bibliografia:

Nota: as opiniões e conceitos tratados pelo(s) autor(s) nesta publicação são de responsabilidade única e exclusiva do(s) autor(s)